GESTÃO: INSTITUTO TROPICAL

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I
UMA VOZ ETERNA COMO TROMBETA
“Vieira 400 anos.”
1608 - 2008

 

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1. Introdução: Unindo Esforços

 

       Com o presente artigo, damos partida a uma seqüência de publicações comemorativas do 4° Centenário do nascimento do Pe. Antônio Vieira.

       Faremos o possível para contribuir para que a figura de Vieira tenha mais projeção entre as novas gerações.

        Vieira é uma excepcional lição de vida e de arte da linguagem para todos os tempos.

       É nossa intenção unirmos nossas forças a todos quantos já conhecem Vieira, ou querem conhecê-lo melhor e se propõem a participar proativamente na comemoração do 4° Centenário deste homem benemérito, tão mal compreendido por alguns, que procuram deturbar a sua imagem.

       Resgatar e expor a obra e ação de Vieira neste multiforme século XXI é contribuir para a construção de uma sociedade mais rica, mais humana, mais justa e mais solidária, capaz de respeitar os valores que dão mais solidez à nossa civilização. É trazer à pauta de nossas cogitações uma luz muito especial. Este é o grande propósito desta cruzada pró Vieira que aqui iniciamos.


2. Vieira uma voz que não se cala

       2.1 Em 2008 celebra-se no mundo inteiro o 4º Centenário de nascimento do Pe. Antônio Vieira, um dos maiores oradores de todos os tempos, glória do Brasil, de Portugal e do mundo civilizado.Quem honra os seus grandes beneméritos, honra-se também a si mesmo. Celebra suas raízes e consolida a própria identidade cultural que a modernidade vai fragmentando.

       Quem encontrou Vieira no seu caminho jamais o esquece.

       Vieira é um autor clássico de primeira grandeza da Língua Portuguesa. É um mestre que sempre ensina e com quem o leitor sempre aprende. Os clássicos são para sempre.

       2.2 Nascido em Lisboa, em 6 de fevereiro de 1608, faleceu no dia 18 de julho de 1697, em Salvador (Bahia), com quase 90 anos. Veio para o Brasil com seis (6) anos de idade. Aqui viveu 52 anos de sua longa e operosa vida. Os demais 37 viveu-os na EUROPA, sempre exercendo missões de alta relevância, para seu país, em Lisboa, Roma, Roterdã, Amsterdã, Paris, Londres, Barcelona, Florença, etc.

       Atravessou sete (7) vezes o Atlântico, no tempo em que as viagens marítimas eram arriscadas aventura.
Foi um gênio de duas nações: do Brasil e de Portugal. No Brasil viveu mais no Nordeste e no Norte, entre a Bahia, Pernambuco, Maranhão, Pará, Ceará, Piauí, Espírito Santo, Alagoas, etc.

       2.3 O grande legado de Vieira:
- a produção de alguns dos mais belos Sermões da história do ocidente;

       - seu espírito de justiça, sua sabedoria;

       - a luta contra os abusos da Inquisição e ações em defesa dos índios e dos negros, da liberdade das pessoas, dos direitos humanos e da dignidade humana.

       - Legou-nos uma imensa fé e esperança no seu país e no seu povo, veiculadas através de magistrais utopias.

       - Foi o profeta da Identidade Nacional que queria ver consolidada para sempre.

       - Pensou um mundo solidário, desde a consciência cívica da pessoa, articulando a vida nas comunidades, nas nações e em toda a humanidade;

       - Criou o conceito de Praça Universal, talvez à imagem e semelhança da ÁGORA grega, onde o povo se reunia e resolvia seus problemas coletivos;

       - Vieira é, com todas as honras e com justiça, um dos imortais da nossa História – um dos Pais da Pátria.

       - Foi um lutador sábio, ágil, dedicado e incansável. Foi um grande artista da palavra. Sua obra continua viva e atual.

       - Deixou-nos como herança uma obra monumental. A linguagem de Vieira é convincente e penetrante. Às vezes é provocante.

       - Foi um diplomata, defensor de seu país e lutador pela integridade do Brasil contra os invasores holandeses.

       Vieira foi um homem carismático, um homem iluminado com luz muito intensa e muito especial. De quando em quando seus discursos parecem expargir lampejos de fogo ou raios de intensa luz. Vieira pôs toda sua vida, inteligência e talentos a serviço da humanidade. Atuou em todas as classes: entre os nobres, príncipes, reis, cardeais e papas e entre as pessoas mais simples. Conviveu com rabinos, empresários e negociantes. Deixou um mundo bem melhor com a herança que nos legou.

       2.4 Vieira, mesmo pregando na Amazônia do séc. XVII, estava falando para o mundo e para a posteridade, para as gerações futuras.

A voz de Vieira o tempo não cala: Vieira é uma voz eterna, pela dignidade humana, pela justiça, pela solidariedade e pela liberdade.

       Seus eternos Sermões ainda ecoam nas catedrais e por toda a parte, nas cidades e choupanas e entre montanhas e vales. Ecoa até nos templos hoje em ruínas que ouviram a sua voz vibrante.

       Durante os seus 75 (setenta e cinco) anos de vida apostólica, pregou muitas centenas de Sermões. De todos os Sermões que pregou, legou à posteridade 206, escritos.

       Vieira é presença frequente em aulas magnas e em discursos acadêmicos, políticos e jurídicos. Independente da crença de cada um, Vieira fala e serve a todos, pela força e pela veemência de sua linguagem.

       Vieira, como os grandes pensadores da humanidade, é presença obrigatória nas estantes dos intelectuais de qualquer religião ou tendência ideológica. É um mestre admirável. Vieira pôs todo o seu entusiasmo e paixão em tudo o que fez. Foi um homem sábio, de uma produtividade quase inacreditável.

       Em Vieira revivemos e redescobrimos os valores perenes que sustentam a dignidade humana.


       Muitos quiseram calar a voz de Vieira, já desde seus contemporâneos, na Inquisição, no Pombalismo e até nossos dias. Não conseguiram. As forças da luz são mais fortes do que as forças da escuridão, da intolerância discriminadora e da ignorância.


3. Vieira, o artista da palavra.

       3.1 Vieira tinha o dom da palavra.


       Tinha um discurso sedutor que a todos encantava, tocava e movia. Seus Sermões eram grande acontecimento social. Todos acorriam para ouvi-lo e vê-lo.

       Proferiu e escreveu mais de 200 sermões e mais de 700 cartas, que são marcos na história do Brasil e de Portugal. Escreveu outras obras de que trataremos oportunamente.

       Teve uma vida de alta produtividade e excelência a serviço de Deus, do povo, da pátria e da paz mundial. O mundo em que Vieira viveu estava envolto em guerras. Foi nesse ambiente conturbado que ele atuou.

       Sua grande herança é sua sabedoria, sua intensa dedicação ao trabalho, às pessoas e ao seu país; sua coragem, sua ousadia e sua generosidade; seu respeito às pessoas, seu espírito de esperança e fé, seu respeito à posteridade. Acrescentamos as belas utopias que nos legou. Foi gênio excepcional.

       Vieira é uma estrela de primeira grandeza nos horizontes do Brasil, de Portugal e de toda Europa de seu tempo. Foi um homem visionário que viveu e pensou muito à frente de seu tempo.

       3.2 Adotamos Vieira coroado de louvor, como convêm aos grandes artistas e heróis da humanidade. A par de Camões e de Pessoa foi um dos maiores artistas da Língua Portuguesa.

       Como artista de linguagem escrita, Vieira é um dos maiores entre os clássicos da língua portuguesa. André de Barros, seu contemporâneo, chamou-o
              “Príncipe dos Oradores Evangélicos”.

Fernando Pessoa chamou-lhe
              “O Imperador da Língua Portuguesa”.

Vieira é leitura para sempre. É uma estrela de primeira grandeza entre os nossos clássicos.

Diz Ítalo Calvino:
               “um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer” .

       Os clássicos são para ler e reler, sempre. Cai-lhe bem a coroa de louros, dada tradicionalmente aos grandes vencedores. Como artista da palavra, Vieira foi um escultor de monumentos, um pintor de paisagens, um arquiteto de idéias, um compositor de orquestras verbais e um poeta. Há muita poesia nos seus Sermões. E foi muito mais.

       3.3 Falar da excelência da obra de Vieira, sem longo estudo, é muito difícil. É quase uma temeridade. É preciso estudar muito para depois abrir a boca ou manipular a caneta. Não é orador para a apreciação de medíocres, arrogantes ou de iniciantes superficiais e apressados. É preciso um pouco de humildade para abordá-lo e compartilhar seus pensamentos, reflexões e ideais. Antes precisamos aprender a apreciá-lo.

       Pigmeus da ciência e da ética não combinam com Vieira. Sua grandeza exige que ascendamos. Sua obra é agradável à leitura, mas é complexa.

       Se a vida é uma peregrinação pelo mundo, Vieira é um ótimo companheiro de viagem. Certamente nesta caminhada cada um precisa saber eleger seus companheiros para fazê-la mais agradável, mais produtiva e mais densa de humanidade. Uma vida com objetivos e metas.

       Aqui traçamos rápidas pinceladas de alguns aspectos da vida e obra deste homem extraordinário e alinhavamos algumas sugestões de programação comemorativa. Todos os tópicos aqui abordados sumariamente serão desenvolvidos proximamente. Este é um texto introdutório e programático do 4º Centenário.


4. Um Gigante do saber, um Homem controvertido



4.1 Vieira foi um desses homens universais que encheu o século XVII, no Brasil e na Europa. Foi controvertido e polêmico, mas sempre sábio, prudente, ousado e de grande dignidade. Foi forte e destemido como um gigante. Mesmo na adversidade, foi grande e altivo, sem arrogâncias.

       Foi um autêntico profeta, pela veemência de sua atuação. Qual novo Davi enfrentou muitos gigantes Golias, arrogantes e prepotentes, ao longo de sua vida. Nunca foi omisso.

       Foi um homem que não conheceu a palavra impossível. O que ele pensou como bom e útil ele foi atrás e conseguiu. Mesmo enfrentando os maiores obstáculos, ele acreditou e foi em frente, sem retroceder mais do que o necessário para prosseguir com mais força.

       Cristo também foi controvertido e polêmico. Isto não impediu que fosse o homem cuja doutrina mais influenciou as pessoas, em todos os tempos, no nosso planeta Terra.

       Vieira ousou sempre. Criou muitos paradoxos. As contradições e os paradoxos acompanham as pessoas ousadas, criativas e empreendedoras. São condições da vida real. As pessoas geniais não são tão certinhas como às vezes esperamos, porque vão muito além do trivial. As pessoas inovadoras não são personagens “redondas” de novelas românticas.

       Vieira teve muitas alegrias muitas desilusões e muitas mágoas. Teve muito sofrimento, muita esperança e muitos desenganos. Encontrou toda a espécie de gente no seu caminho....

       4.2 Já quase aos 90 anos, até a véspera de sua morte, Vieira mantinha-se atarefado, retocando seus Sermões para publicação e redigindo a “Clavis Prophetarum” e cartas para os amigos.

       Tudo fez para legar à posteridade os tesouros de saber e de sabedoria que armazenou ao longo de sua vida, tão produtiva e tão atribulada. Até porque sabia muito bem que, após a morte do seu corpo, sua obra permaneceria viva para sempre entre nós, iluminando muitas gerações.

       Já doente, Vieira dedicou a última fase de sua vida à sua última grande missão: preparar suas obras para publicação.

       Os profetas nunca morrem. Mais que sua vida terrena, Vieira prezava a sua sabedoria e sua missão. Nunca teve vida fácil. Trabalhou intensamente enquanto pôde. Isto é belo de estudar e de observar. A mediocridade não suporta a grandeza e a altivez de ninguém. Mas a intolerância também faz parte da vida humana. É o seu lado obscuro. No entanto, a intolerância engrandece quem dela desdenha e vai em frente. As pessoas que contam na história, não se submetem à mediocridade nem a uma vida trivial e não temem enfrentar as conseqüências de seu nobre atrevimento. Por isso são heróis.

       4.3 Vieira diz:
                 “Não ter inimigos tem-se por felicidade, mas é uma tal felicidade que é  melhor                    a desgraça de os ter que a ventura de os não ter”(*).

       Vieira foi um homem corajoso, forte de caráter e muito generoso. Foi generoso com o povo brasileiro, com os índios, com os negros e com os judeus. Foi generoso e forte até com os inquisitores; Foi generoso com seu país e com a humanidade.

       Após quatro séculos de seu nascimento e pouco mais de três séculos de seu passamento, a obra de Vieira mantém seu vigor e atualidade. Suas obras são um manancial de ensinamentos.

       Por sua obra missionária, Vieira é verdadeiramente um Apóstolo do Brasil, com destaque numa seleta plêiade.

       Ditoso e povo que produziu um homem de tanta grandeza, audácia e pertinácia. Este é um daqueles homens que, “por suas obras valorosas, se vão da lei da morte libertando” , como disse Camões.


5. Um Homem Plural

       5.1 É fato que, certamente, Vieira é um dos 15 homens que mais marcaram a história do Brasil, numa escala de 01 a 100.

       Viveu no século mais conturbado e efervescente de nossa história e compartilhou dela com sabedoria e dedicação incansável. Suas Cartas e seus Sermões o comprovam.

       Vieira é uma das caras do Brasil real, no seu idealismo, no seu amor à terra e à sua gente, na adversidade, na persistência, na coragem, na dignidade e na altivez. Nunca desanimou, nunca desistiu, nunca se entregou. Mesmo nos momentos mais difíceis, prosseguiu em seus intentos, incansavelmente. Foi um homem de um vigor excepcional.

       Não é possível estudar plenamente o séc. XVII sem ler Vieira, onde ele foi agente e testemunha. Vieira é, no Brasil do séc.XVII, uma das vozes mais autorizadas. As cartas de Vieira são ricas fontes de pesquisas para a nossa história.

       5.2 Foi um homem de muitas idéias e de muitas e diversificadas realizações. Foi um homem plural. Um homem genial.

       Como o sábio romano, Vieira realizou um lema universal:

                     “Nada do que é humano me é estranho”.
                     [“Nihil humani a me alienum puto”.] (Terêncio)
       Vieira declara:
              “(...) sou um homem do tempo; com ele vivo, com ele morro, com ele adoeço, com ele saro.
               (...) como não há frio, logo estou em paz com os ares de Coimbra ”.

       Temos, certamente, diversos “Antônio Vieira”. É essa pluralidade que o faz admirável. Foi plural como a vida, como o seu tempo.

       Diz o acadêmico professor Arnaldo Niskier sobre Vieira:
              “Multiforme, onímodo, plurifacetado, polivalente. Um homem de gênio.
              
Uma tempestade de homem. O primeiro homem do mundo. Os elogios ao padre
               Antônio Vieira são pródigos.
.. ”.

       Nas palavras do historiador jesuítas Hélio A. Viotti:
              “Há nesse homem só, muitos homens ao mesmo tempo.
              Sua figura é verdadeiramente poliédrica
”.

       Não podemos nos espantar com os paradoxos de seu pensamento e ação. Foi religioso, foi missionário, foi cidadão, foi orador, foi diplomata, foi negociador e articulador político, foi teólogo, foi filósofo, foi amigo de reis, rainhas, príncipes e papas e foi amigo do povo. Foi prisioneiro em diversas circunstâncias, foi escritor, foi peregrino, e muito mais...

       5.3 Foi um homem dedicado, competente e persistente. Multiplicou-se para poder servir ao seu povo e à sua religião. Produziu uma obra monumental.

       Vieira serviu ao seu país “arriscando a vida nas viagens à Holanda, França e Itália, com maiores perigos dos mesmos negócios do que eram os do mar e dos inimigos da nossa coroa, no mar e na terra...” , declarou.

       Eventuais desacertos, somente valorizam sua atuação inteligente. Foi um mortal como os demais, mas foi genial e em quase tudo excepcional. Só não erra quem não ousa. A vida de Vieira foi um desafio permanente. Sofreu as piores adversidades e nunca desanimou. Valem, para Vieira, os versos de Gonçalves Dias:

              “A vida / é luta renhida. Viver é lutar /
               A vida é combate / que os fracos abate /
              que e os fortes, os bravos / só pode exaltar ”.

       Afrânio Peixoto chama a Vieira:
               “apóstolo e mártir da causa santa da liberdade dos índios na América
e dos Judeus e Cristãos Novos, discriminados em Portugal e em outros países da Europa, acrescentamos.

Jorge Peralta

(Continua no próximo número, onde é publicada a Bibliografia).
[Publicação Revista Abaeté nº 3/ 2º sem2005]