SERMÃO
da Sexagésima
Pregado na Capela Real no Ano de 1655.
Este é um Sermão
Magistral. É uma das peças de oratório mais brilhantes
do grande orador. Trata da metodologia da pregação em busca
de resultados.
É uma aula de didática
e de retórica. É uma obra prima de diretrizes para os profissionais
da palavra. Aqui, Vieira se revela um grande educador.
Esta é uma peça
de oratória que deveria ser analisada e meditada por todos os educadores,
advogados, pastores, jornalistas, enfim, todos os especialistas que trabalham
com a palavra.
O Sermão da Sexagésima
é o mais precioso da arte de falar e de escrever da Língua
Portuguesa.
Os profissionais da fala, educadores,
jornalistas, “pastores”, advogados, etc, bem como os escritores,
devem ser assíduos leitores deste Sermão.
O Sermão da Sexagésima
foi pronunciado numa fase de grande produtividade e de grande agitação
de Vieira: na fase missionária. Vieira estava tendo tensas disputas
com os colonos do Maranhão, em relação à liberdade
dos índios.
Vieira resolveu vir a Portugal pedir
arrimo do rei D João IV. Viajou em junho, de 1654 para Lisboa. Antes,
porém, no dia 13.06.1654, prega um de seus magistrais Sermões:
O Sermão de Santo Antônio aos Peixes. Este é também
um de seus sermões magistrais.
No percurso marítimo, a nau
em que viaja naufraga tragicamente na altura dos Açores e é
pilhada pelos piratas holandeses, no final de agosto. Nos Açores,
depois de três meses, de permanência, prega o grande Sermão
de Santa Teresa. No dia 1º de janeiro de 1955, prega o Sermão
da Sexagésima, na Capela Real, que é outro monumento de oratória
e de ensinamentos. De alguma forma,
estes três Sermões dialogam entre si: são interligados.
Foram produzidos num espaço de menos de sete meses. Os três
são de um vigor e de uma veemência extraordinária. No
mesmo contexto, pouco depois ( ) prega o Sermão do Bom Ladrão...
SERMÃO DA SEXAGÉSIMA
Semen est verbum Dei. (S. Lucas, 8, 11)
[A semente é a palavra de Deus]
I
1. E se quisesse
Deus que este tão ilustre e tão numeroso auditório
saísse hoje tão desenganado da pregação, como
vem enganado com o pregador! Ouçamos o Evangelho, e ouçamo-lo
todo, que todo é do caso que me levou e trouxe de tão longe.
.......................... Ecce exiit
qui seminat, seminare (Mt. 13,3)
.......................... .[Eis
que o semeador saiu a semear]
2. Diz Cristo
que saiu o pregador evangélico a semear a palavra divina. Bem parece
este texto dos livros de Deus. Não só faz menção
do semear, mas também faz caso do sair:
..........................Exiit –
[saiu]
porque no dia da messe hão-nos de medir a semeadura e hão-nos
de contar os passos.
O Mundo, aos que lavrais com ele, nem vos satisfaz
o que dispendeis, nem vos paga o que andais. Deus não é assim.
Para quem lavra com Deus até o sair é semear, porque também
das passadas colhe fruto. Entre os semeadores do Evangelho há uns
que saem a semear, há outros que semeiam sem sair. Os que saem a
semear são os que vão pregar à Índia, à
China, ao Japão; os que semeiam sem sair, são os que se contentam
com pregar na Pátria.
Todos terão sua razão, mas tudo tem
sua conta. Aos que têm a seara em casa, pagar-lhes-ão a semeadura;
aos que vão buscar a seara tão longe, hão-lhes de medir
a semeadura e hão-lhes de contar os passos. Ah! Dia do Juízo!
Ah! pregadores! Os de cá, achar-vos-eis com mais paço; os
de lá, com mais passos:
..........................Exiit seminare
– [Saiu a semear]
3. Mas daqui mesmo vejo
que notais (e me notais) que diz Cristo que o semeador do Evangelho saiu,
porém não diz que tornou porque os pregadores evangélicos,
os homens que professam pregar e propagar a Fé, é bem que
saiam, mas não é bem que tornem. Aqueles animais de Ezequiel,
que tiravam pelo carro triunfal da glória de Deus e significavam
os pregadores do Evangelho que propriedades tinham?
..........................Nec revertebantur,
cum ambularent. (Ez. 1,12)
..........................[Uma
vez que iam, não tornavam]
As rédeas por que se governavam era
o ímpeto do espírito, como diz o mesmo texto: mas esse espírito
tinha impulsos para os levar, não tinha regresso para os trazer;
porque sair para tornar melhor é não sair. Assim argúis
com muita razão, e eu também assim o digo.
Mas pergunto: E se esse semeador evangélico,
quando saiu, achasse o campo tomado; se se armassem contra ele os espinhos;
se se levantassem contra ele as pedras, e se lhe fechassem os caminhos que
havia de fazer?
4. Todos estes
contrários que digo e todas estas contradições experimentou
o semeador do nosso Evangelho. Começou ele a semear (diz Cristo),
mas com pouca ventura. (Mt. 13, 4 a 7)
.......................... -
Uma parte do trigo caiu entre espinhos, e afogaram-no os espinhos.
.......................... Aliud cecidit
inter spinas
.......................... et simul exortae
spinae suffocaverunt illud.
..........................- Outra
parte caiu sobre pedras, e secou-se nas
.......................... pedras por falta
de humidade.
.......................... Aliud cecidit
super petram,
..........................et natum aruit, quia
non habebat humorem.
..........................- Outra
parte caiu no caminho, e pisaram-no os homens
.......................... e comeram-no as
aves.
..........................Aliud cecidit
secus viam,
.......................... et conculcatum
est, et volucres coeli comederunt illud.
Ora vede como todas as criaturas do Mundo
se armaram contra esta sementeira. Todas as criaturas quantas há
no Mundo se reduzem a quatro gêneros: criaturas racionais, como os
homens; criaturas sensitivas, como os animais; criaturas vegetativas, como
as plantas; criaturas insensíveis, como as pedras; e não há
mais. Faltou alguma destas que se não armasse contra o semeador?
Nenhuma.
A natureza insensível o perseguiu nas pedras,
a vegetativa nos espinhos, a sensitiva nas aves, a racional nos homens.
E notai a desgraça do trigo, que onde só podia esperar razão,
ali achou maior agravo. As pedras secaram-no, os espinhos afogaram-no, as
aves comeram-no; e os homens? Pisaram-no:
..........................Conculcatum est,
ab hominibus.(Diz a Glossa)
..........................[Foi
pisado pelos homens]
Quando Cristo mandou pregar os Apóstolos
pelo Mundo, disse-lhes desta maneira:
..........................Euntes in mundum
universum, praedicate omni creaturae (Mc. 16,15)
..........................Ide por todo
mundo, e pregai a toda a criatura.
Como assim, Senhor?! Os animais não
são criaturas?! As árvores não são criaturas?!
As pedras não são criaturas?! Pois hão os Apóstolos
de pregar às pedras?! Hão de pregar aos troncos?! Hão
de pregar aos animais?! Sim, diz S. Gregório, depois de Santo Agostinho.
Porque como os Apóstolos iam pregar a todas
as nações do Mundo, muitas delas bárbaras e incultas,
haviam de achar os homens degenerados em todas as espécies de criaturas:
haviam de achar homens, haviam de achar homens brutos, haviam de achar homens
troncos, haviam de achar homens pedras. E quando os pregadores evangélicos
vão pregar a toda a criatura, que se armem contra eles todas as criaturas?!
Grande desgraça!
5. Mas
ainda a do semeador do nosso Evangelho não foi a maior. A maior é
a que se tem experimentado na seara aonde eu fui, e para onde venho. Tudo
o que aqui padeceu o trigo, padeceram lá os semeadores. Se bem advertirdes,
houve aqui trigo mirrado, trigo afogado, trigo comido e trigo pisado.
Trigo mirrado:
.......................... Natum
aruit, quia non habebat humorem
..........................[Secou
por falta de umidade];
trigo afogado:
.......................... Exortae
spinae suffocaverunt illud
..........................[Os espinhos
sufocaram-no];
trigo comido:
..........................Volucres caeli
comederunt illud
..........................[As
aves do céu o comeram];
trigo pisado:
..........................Conculcutum est
– [foi pisado]
Tudo isto padeceram os semeadores evangélicos
da missão do Maranhão de doze anos a esta parte. Houve missionários
afogados, porque uns se afogaram na boca do grande rio das Amazonas; houve
missionários comidos, porque a outros comeram os bárbaros
na ilha dos Aroãs.
Houve missionários mirrados, porque tais
tornaram os da jornada dos Tocatins, mirrados da fome e da doença,
onde tal houve, que andando vinte e dois dias perdido nas brenhas matou
somente a sede com o orvalho que lambia das folhas. Vede se lhe quadra bem
o
.......................... Natum
aruit, quia non habebant humorem?
..........................[secou-se
por falta de água]
E que sobre mirrados, sobre afogados,
sobre comidos, ainda se vejam pisados e perseguidos dos homens: Conculcatum
est?- [Foi pisado]
Não me queixo nem o digo, Senhor,
pelos semeadores; só pela seara o digo, só pela seara o sinto.
Para os semeadores, isto são glórias: mirrados sim, mas por
amor de vós mirrados; afogados sim, mas por amor de vós afogados;
comidos sim, mas por amor de vós comidos; pisados e perseguidos sim,
mas por amor de vós perseguidos e pisados.
6. Agora torna
a minha pergunta: E que faria neste caso, ou que devia fazer o semeador
evangélico, vendo tão mal logrados seus primeiros trabalhos?
Deixaria a lavoura? Desistiria da sementeira?
Ficar-se-ia ocioso no campo, só porque tinha lá ido? Parece
que não.
Mas se tornasse muito depressa a buscar alguns
instrumentos com que alimpar a terra das pedras e dos espinhos, seria isto
desistir? Seria isto tornar atrás? Não por certo.
No mesmo texto de Ezequiel com que argüistes,
temos a prova. Já vimos como dizia o texto, que aqueles animais da
carroça de Deus,
..........................quando iam não
tornavam
..........................Nec revertebantur,
cum ambularent. (Ez. 1,12)
Lede agora dois versos mais abaixo, e vereis
que diz o mesmo texto que aqueles animais tornavam, e semelhança
de um raio ou corisco:
..........................Ibant et revertebantur
in similitudinem fulgoris coruscantis (Ez. 1,14)
..........................[Iam
e retornavam à semelhança de relâmpagos]
Pois se os animais iam e tornavam à
semelhança de um raio, como diz o texto que quando iam não
tornavam? Porque quem vai e volta como um raio, não torna. Ir e voltar
como raio, não é tornar, é ir por diante.
Assim o fez o semeador do nosso Evangelho. Não
o desanimou nem a primeira nem a segunda nem a terceira perda; continuou
por diante no semear, e foi com tanta felicidade, que nesta quarta e última
parte do trigo se restauraram com vantagem as perdas do demais: nasceu,
cresceu, espigou, amadureceu, colheu-se, mediu-se, achou-se que por um grão
multiplicara cento: Et fecit fructum centuplum
..........................[Produziu
frutos cem por um] (Lc. 8,8)
7. Oh!
Que grandes esperanças me dá esta sementeira! Oh! Que grande
exemplo me dá este semeador! Dá-me grandes esperanças
a sementeira porque, ainda que se perderam os primeiros trabalhos,lograr-se-ão
os últimos.
Dá-me grande exemplo o semeador,
porque, depois de perder a primeira, a segunda e a terceira parte do trigo,
aproveitou a quarta e última, e colheu dela muito fruto. Já
que se perderam as três partes da vida, já que uma parte da
idade a levaram os espinhos, já que outra parte a levaram as pedras,
já que outra parte a levaram os caminhos, e tantos caminhos, esta
quarta e última parte, este último quartel da vida, porque
se perderá também? Porque não dará fruto? Porque
não terão também os anos o que tem o ano?
O ano tem tempo para as flores
e tempo para os frutos. Porque não terá também o seu
Outono a vida? As flores, umas caem, outras secam, outras murcham, outras
leva o vento; aquelas poucas que se pegam ao tronco e se convertem em fruto,
só essas são as venturosas, só essas são as
que aproveitam, só essas são as que sustentam o Mundo.
Será bem que o Mundo morra à
fome? Será bem que os últimos dias se passem em flores? Não
será bem, nem Deus quer que seja, nem há de ser.
Eis aqui porque eu dizia ao princípio,
que vindes enganados com o pregador. Mas para que possais ir desenganados
com o sermão, tratarei nele uma matéria de grande peso e importância.
Servirá como de prólogo aos sermões que vos hei de
pregar, e aos mais que ouvirdes esta Quaresma.
II
Semen est verbum Dei.
[A semente é a palavra de Deus]
8. O trigo que
semeou o pregador evangélico, diz Cristo que é a palavra de
Deus. Os espinhos, as pedras, o caminho e a terra boa em que o trigo caiu,
são os diversos corações dos homens.
Os espinhos são os corações
embaraçados com cuidados, com riquezas, com delícias; e nestes
afoga-se a palavra de Deus.
As pedras são os corações
duros e obstinados; e nestes seca-se a palavra de Deus, e se nasce, não
cria raízes.
Os caminhos são os corações
inquietos e perturbados com a passagem e tropel das coisas do Mundo, umas
que vão, outras que vêm, outras que atravessam, e todas passam;
e nestes é pisada a palavra de Deus, porque a desatendem ou a desprezam.
Finalmente, a terra boa são os corações
bons ou os homens de bom coração; e nestes prende e frutifica
a palavra divina, com tanta fecundidade e abundância, que se colhe
cento por um:
..........................Et fructum
fecit centuplum
..........................[Produziu
frutos, cem por um]
9. Este grande
frutificar da palavra de Deus é o em que reparo hoje; e é
uma dúvida ou admiração que me traz suspenso e confuso,
depois depois que subo ao púlpito.
Se a palavra de Deus é tão eficaz
e tão poderosa, como vemos tão pouco fruto da palavra de Deus?
Diz Cristo que a palavra de Deus frutifica cento por um, e já eu
me contentara com que frutificasse um por cento. Se com cada cem sermões
se convertera e emendara um homem, já o Mundo fora santo.
Este argumento de fé, fundado na autoridade
de Cristo, se aperta ainda mais na experiência, comparando os tempos
passados com os presentes. Lede as histórias eclesiásticas,
e achá-las-eis todas cheias de admiráveis efeitos da pregação
da palavra de Deus. Tantos pecadores convertidos, tanta mudança de
vida, tanta reformação de costumes; os grandes desprezando
as riquezas e vaidades do Mundo; os reis renunciando os cetros e as coroas;
as mocidades e as gentilezas metendo-se pelos desertos e pelas covas; e
hoje? Nada disto.
Nunca na Igreja de Deus houve tantas pregações,
nem tantos pregadores como hoje. Pois se tanto se semeia a palavra de Deus,
como é tão pouco o fruto? Não há um homem que
em um sermão entre em si e se resolva, não há um moço
que se arrependa, não há um velho que se desengane. Que é
isto?
Assim como Deus não é
hoje menos onipotente, assim a sua palavra não é hoje menos
poderosa do que dantes era. Pois se a palavra de Deus é tão
poderosa; se a palavra de Deus tem hoje tantos pregadores, porque não
vemos hoje nenhum fruto da palavra de Deus?
Esta, tão grande e tão
importante dúvida, será a matéria do sermão.
Quero começar pregando-me a mim. A mim será, e também
a vós; a mim, para aprender a pregar; a vós, que aprendais
a ouvir.
III
10. Fazer pouco
fruto a palavra de Deus no Mundo, pode proceder de um de três princípios:
ou da parte do pregador, ou da parte do ouvinte, ou da parte de Deus.
Para uma alma se converter por meio de um
sermão, há de haver três concursos: há de concorrer
o pregador com a doutrina, persuadindo; há de concorrer o ouvinte
com o entendimento, percebendo; há de concorrer Deus com a graça,
alumiando.
Para um homem se ver a si mesmo, são
necessárias três coisas: olhos, espelho e luz. Se tem espelho
e é cego, não se pode ver por falta de olhos; se tem espelho
e olhos, e é de noite, não se pode ver por falta de luz. Logo,
há mister luz, há mister espelho e há mister olhos.
Que coisa é a conversão
de uma alma, senão entrar um homem dentro em si e ver-se a si mesmo?
Para esta vista são necessários olhos, é necessária
luz e é necessário espelho. O pregador concorre com o espelho,
que é a doutrina; Deus concorre com a luz, que é a graça;
o homem concorre com os olhos, que é o conhecimento.
Ora suposto que a conversão
das almas por meio da pregação depende destes três concursos:
de Deus, do pregador e do ouvinte, por qual deles devemos entender que falta?
Por parte do ouvinte, ou por parte do pregador, ou por parte de Deus?
11. Primeiramente,
por parte de Deus, não falta nem pode faltar. Esta proposição
é de fé, definida no Concílio Tridentino, e no nosso
Evangelho a temos.
Do trigo que deitou à terra o semeador,
uma parte se logrou e três se perderam. E porque se perderam estas
três? A primeira perdeu-se, porque a afogaram os espinhos; a segunda,
porque a secaram as pedras; a terceira, porque a pisaram os homens e a comeram
as aves.
Isto é o que diz Cristo; mas
notai o que não diz. Não diz que parte alguma daquele trigo
se perdesse por causa do sol ou da chuva. A causa por que ordinariamente
se perdem as sementeiras, é pela desigualdade e pela intemperança
dos tempos, ou porque falta ou sobeja a chuva, ou porque falta ou sobeja
o sol.
Pois porque não introduz Cristo
na parábola do Evangelho algum trigo que se perdesse por causa do
sol ou da chuva? Porque o sol e a chuva são as afluências da
parte do céu, e deixar de frutificar a semente da palavra de Deus,
nunca é por falta do céu; sempre é por culpa nossa.
Deixará de frutificar a sementeira,
ou pelo embaraço dos espinhos, ou pela dureza das pedras, ou pelos
descaminhos dos caminhos; mas por falta das influências do céu,
isso nunca é nem pode ser.
Sempre Deus está pronto da sua
parte, com o sol para aquentar e com a chuva para regar; com o sol para
alumiar e com a chuva para amolecer, se os nossos corações
quiserem:
..........................Qui solem suum
oriri facit super bonos et malos,
..........................et pluit super justos
et injustos. (Mt. 5,45)
..........................[Deus
faz nascer o sol sobre os bons e sobre os maus,
..........................e faz cair a chuva
sobre os justos e os injustos]
Se Deus dá o seu sol e
a sua chuva aos bons e aos maus; aos maus que se quiserem fazer bons, como
a negará? Este ponto é tão claro que não há
para que nos determos em mais prova.
..........................Quid debui facere
vineae meae, et non feci?(Isaías 5,4)
..........................[Que
mais eu poderia fazer à minha vinha,
..........................que já
lhe não tenha feito?]
— disse o mesmo Deus por Isaías.
12. Sendo,
pois, certo que a palavra divina não deixa de frutificar por parte
de Deus, segue-se que ou é por falta do pregador ou por falta dos
ouvintes. Por qual será?
Os pregadores deitam a culpa aos ouvintes,mas
não é assim. Se fora por parte dos ouvintes, não fizera
a palavra de Deus muito grande fruto, mas não fazer nenhum fruto
e nenhum efeito, não é por parte dos ouvintes. Provo.
Os ouvintes ou são maus
ou são bons. Se são bons, faz neles fruto a palavra de Deus;
se são maus, ainda que não faça neles fruto, faz efeito.
No Evangelho o temos.
..........................O trigo
que caiu nos espinhos, nasceu, mas afogaram-no
.......................... Simul exortae
spinae suffocaverunt illud.
..........................O trigo
que caiu nas pedras, nasceu também, mas secou-se:
..........................Et natum aruit.
..........................O trigo
que caiu na terra boa, nasceu e frutificou com grande multiplicação
..........................Et natum fecit
fructum centuplum.
..........................[E produziu
frutos cem por um]
De maneira que o trigo que caiu
na boa terra, nasceu e frutificou; o trigo que caiu na má terra,
não frutificou, mas nasceu; porque a palavra de Deus é tão
funda, que nos bons faz muito fruto e é tão eficaz que nos
maus ainda que não faça fruto, faz efeito; lançada
nos espinhos, não frutificou, mas nasceu até nos espinhos;
lançada nas pedras, não frutificou, mas nasceu até
nas pedras.
Os piores ouvintes que há
na Igreja de Deus, são as pedras e os espinhos. E porquê? Os
espinhos por agudos, as pedras por duras. Ouvintes de entendimentos agudos
e ouvintes de vontades endurecidas são os piores que há. Os
ouvintes de entendimentos agudos são maus ouvintes, porque vêm
só a ouvir sutilezas, a esperar galantarias, a avaliar pensamentos,
e às vezes também a picar a quem os não pica.
..........................Aliud cecidit
inter spinas
..........................[Uma
parte do trigo caiu entre os espinhos]
O trigo não picou os espinhos,
antes os espinhos o picaram a ele; e o mesmo sucede cá. Cuidais que
o sermão vos picou e vós, e não é assim; vós
sois os que picais o sermão. Por isto são maus ouvintes os
de entendimentos agudos. Mas os de vontades endurecidas ainda são
piores, porque um entendimento agudo pode ferir pelos mesmos fios, e vencer-se
uma agudeza com outra maior; mas contra vontades endurecidas nenhuma coisa
aproveita a agudeza, antes dana mais, porque quanto as setas são
mais agudas, tanto mais facilmente se despontam na pedra.
Oh! Deus nos livre de vontades
endurecidas, que ainda são piores que as pedras! A vara de Moisés
abrandou as pedras, e não pôde abrandar uma vontade endurecida:
.......................... Percutiens
virga bis silicem,.et egressae sunt aquae
largissimae.(Nm 20,11)
..........................[Moisés
bateu duas vezes com seu cajado ha e saiu muita água]
..........................Induratum est
cor Pharaonis.(Ex. 7,13)
..........................[Mas o coração
de Faraó se endureceu]
E com os ouvintes de entendimentos
agudos e os ouvintes de vontades endurecidas serem os mais rebeldes, é
tanta a força da divina palavra, que, apesar da agudeza, nasce nos
espinhos, e apesar da dureza nasce nas pedras.
..... Pudéramos argüir ao lavrador
do Evangelho de não cortar os espinhos e de não arrancar as
pedras antes de semear, mas de indústria deixou no campo as pedras
e os espinhos, para que se visse a força do que semeava.
É tanta a força da divina
palavra, que, sem cortar nem despontar espinhos, nasce entre espinhos. É
tanta a força da divina palavra, que, sem arrancar nem abrandar pedras,
nasce nas pedras.
Corações embaraçados
como espinhos, corações secos e duros como pedras, ouvi a
palavra de Deus e tende confiança! Tomai exemplo nessas mesmas pedras
e nesses espinhos! Esses espinhos e essas pedras agora resistem ao semeador
do céu; mas virá tempo em que essas mesmas pedras o aclamem
e esses mesmos espinhos o coroem .
Quando o semeador do céu
deixou o campo, saindo deste Mundo, as pedras se quebraram para lhe fazerem
aclamações, e os espinhos se teceram para lhe fazerem coroa.
E se a palavra de Deus até dos
espinhos e das pedras triunfa; se a palavra de Deus até nas pedras,
até nos espinhos nasce; não triunfar dos alvedrios hoje a
palavra de Deus, nem nascer nos corações, não é
por culpa, nem por indisposição dos ouvintes.
13. Supostas
estas duas demonstrações; suposto que o fruto e efeitos da
palavra de Deus, não fica, nem por parte de Deus, nem por parte dos
ouvintes, segue-se, por conseqüência clara, que fica por parte
do pregador. E assim é.
Sabeis, cristãos, porque não
faz fruto a palavra de Deus? Por culpa dos pregadores.
Sabeis, pregadores, porque não
faz fruto a palavra de Deus? Por culpa nossa.
IV
14. Mas como
em um pregador há tantas qualidades, e em uma pregação
tantas leis, e os pregadores podem ser culpados em todas, em qual consistirá
esta culpa? No pregador podem-se considerar
cinco circunstâncias: a pessoa, a ciência, a matéria,
o estilo, a voz. A pessoa que é, e ciência que tem, a matéria
que trata, o estilo que segue, a voz com que fala.
Todas estas circunstâncias temos no Evangelho.
Vamo-las examinando uma por uma e buscando esta causa.
15. Será
porventura o não fazer fruto hoje a palavra de Deus, pela circunstância
da pessoa? Será porque antigamente os pregadores eram santos eram
varões apostólicos e exemplares, e hoje os pregadores são
eu e outros como eu? Boa razão é esta. A definição
do pregador é a vida e o exemplo. Por isso Cristo no Evangelho não
o comparou ao semeador, senão ao que semeia. Reparai. Não
diz Cristo:
..........................saiu a semear
o semeador, senão, saiu a semear o que semeia
..........................Ecce exiit, qui
seminat, seminare.
Entre o semeador e o que semeia
há muita diferença. Uma coisa é o soldado e outra coisa
o que peleja; uma coisa é o governador e outra o que governa. Da
mesma maneira, uma coisa é o semeador e outra o que semeia; uma coisa
é o pregador e outra o que prega. O semeador e o pregador é
nome; o que semeia e o que prega é ação; e as ações
são as que dão o ser ao pregador.
Ter o nome de pregador, ou ser pregador
de nome, não importa nada; as ações, a vida, o exemplo,
as obras, são as que convertem o Mundo. O melhor conceito que o pregador
leva ao púlpito, qual cuidais que é? o conceito que de sua
vida têm os ouvintes.
Antigamente convertia-se o Mundo, hoje
porque se não converte ninguém?
Porque hoje pregam-se palavras
e pensamentos, antigamente pregavam-se palavras e obras. Palavras sem obra
são tiros sem bala; atroam, mas não ferem. A funda de David
derrubou o gigante, mas não o derrubou com o estalo, senão
com a pedra:
..........................Infixus est lapis
in fronte ejus (I Sm. 17,49)
..........................[Davi
encravou uma pedra na fronte de Golias]
As vozes da harpa de David lançavam
fora os demônios do corpo de Saul, mas não eram vozes pronunciadas
com a boca, eram vozes formadas com a mão:
.......................... David tollebat citharam,
et percutiebat manu sua (I Sm. 16,23)
..........................[Davi
tomava a harpa e a tocava com as mãos]
Por isso Cristo comparou o pregador
ao semeador. O pregar que é falar faz-se com a boca; o pregar que
é semear, faz-se com a mão. Para falar ao vento, bastam palavras;
para falar ao coração, são necessárias obras.
Diz o Evangelho que a palavra de Deus frutificou
cento por um. Que quer isto dizer? Quer dizer que de uma palavra nasceram
cem palavras? Não. Quer dizer que de poucas palavras nasceram muitas
obras. Pois palavras que frutificam obras, vede se podem ser só palavras!
Quis Deus converter o Mundo, e
que fez? Mandou ao Mundo seu Filho feito homem. Notai. O Filho de Deus,
enquanto Deus, é palavra de Deus, não é obra de Deus:
..........................Genitum non factum
– [Gerado, não criado]
O Filho de Deus, enquanto Deus e Homem, é palavra de Deus e obra
de Deus juntamente:
..........................Verbum caro factum
est (Jo. 1,14)
..........................[O Verbo
se fez carne]
De maneira que até de sua palavra
desacompanhada de obras não fiou Deus a conversão dos homens.
Na união da palavra de Deus com a maior obra de Deus consistiu a
eficácia da salvação do Mundo.
Verbo Divino é palavra divina;
mas importa pouco que as nossas palavras sejam divinas, se forem desacompanhadas
de obras. A razão disto é porque as palavras ouvem-se, as
obras vêem-se; as palavras entram pelos ouvidos, as obras entram pelos
olhos, e a nossa alma rende-se muito mais pelos olhos que pelos ouvidos.
No céu ninguém há que
não ame a Deus, nem possa deixar de o amar. Na terra há tão
poucos que o amem, todos o ofendem. Deus não é o mesmo, e
tão digno de ser amado no Céu e na Terra? Pois como no céu
obriga e necessita a todos a o amarem, e na terra não? A razão
é porque Deus no céu é Deus visto; Deus na terra é
Deus ouvido. No céu entra o conhecimento de Deus à alma pelos
olhos:
..........................Videbimus eum
sicut est
..........................[Nós
o veremos como ele é]
na terra entra-lhe o conhecimento de Deus pelos ouvidos:
..........................Fides ex auditu
..........................[A fé
vem pelo ouvido]
e o que entra pelos ouvidos crê-se, o que entra pelos olhos necessita.
Vissem os ouvintes em nós o que
nos ouvem a nós, e o abalo e os efeitos do sermão seriam muito
outros.
16. Vai um pregador
pregando a Paixão, chega ao pretório de Pilatos, conta como
a Cristo o fizeram rei de zombaria, diz que tomaram uma púrpura e
lha puseram aos ombros; ouve aquilo o auditório muito atento. Diz
que teceram uma coroa de espinhos e que lha pregaram na cabeça.
Ouvem todos com a mesma atenção. Diz mais que lhe ataram as
mãos e lhe meteram nelas uma cana por cetro; continua o mesmo silêncio
e a mesma suspensão nos ouvintes. Corre-se neste espaço uma
cortina aparece a imagem do
.......................... Ecce Homo
– [eis o homem]
eis todos prostrados por terra, eis todos a bater no peito, eis as lágrimas,
eis os gritos, eis os alaridos, eis as bofetadas. Que é isto? Que
apareceu de novo nesta igreja?
Tudo o que descobriu aquela cortina,
tinha já dito o pregador. Já tinha dito daquela púrpura,
já tinha dito daquela coma e daqueles espinhos, já tinha dito
daquele cetro e daquela cana. Pois se isto então não fez abalo
nenhum, como faz agora tanto? Porque então era Ecce Homo
[eis o homem] ouvido, e agora é
.......................... Ecce Homo[eis
o homem] visto.
A relação do pregador
entrava pelos ouvidos; a representação daquela figura entra
pelos olhos.
Sabem, Padres pregadores, porque fazem pouco
abalo os nossos sermões? Porque não pregamos aos olhos, pregamos
só aos ouvidos. Porque convertia o Batista tantos pecadores? Porque
assim como as suas palavras pregavam aos ouvidos, o seu exemplo pregava
aos olhos.
As palavras do Batista pregavam penitência:
..........................Agite paenitentiam
– [fazei penitência]
Homens, fazei penitência e o exemplo clamava:
..........................Ecce Homo
– [Eis o homem]
eis aqui está o homem que é o retrato da penitência
e da aspereza. As palavras do Batista pregavam jejum e repreendiam os regalos
e demasias da gula; e o exemplo clamava:
..........................Ecce Homo
– [Eis o homem]
eis aqui está o homem que se sustenta de gafanhotos e mel silvestre.
As palavras do Batista pregavam composição e modéstia,
e condenavam a soberba e a vaidade das galas; e o exemplo clamava:
..........................Ecce Homo
– [Eis o homem]
eis aqui está o homem vestido de peles de camelo, com as cordas e
cilício à raiz da carne. As palavras do Batista pregavam desapegos
e retiros do Mundo, e fugir das ocasiões e dos homens; e o exemplo
Clamava:
..........................Ecce Homo
– [Eis o homem]
eis aqui o homem que deixou as cortes e as sociedades, e vive num deserto
e numa cova. Se os ouvintes ouvem uma coisa e vêem outra, como se
hão de converter?
Jacob punha as varas manchadas
diante das ovelhas quando concebiam, e daqui procedia que os cordeiros nasciam
malhados.(Gn. 30,39).
Se quando os ouvintes percebem os nossos
conceitos, têm diante dos olhos as nossas manchas, como hão
de conceber virtudes?
Se a minha vida é apologia contra
a minha doutrina, se as minhas palavras vão já refutadas nas
minhas obras; se uma cousa é o semeador e outra o que semeia, como
se há de fazer fruto?
17. Muito boa
e muito forte razão era esta de não fazer fruto a palavra
de Deus; mas tem contra si o exemplo e experiência de Jonas.(Jn. 1,2,3,4)
Jonas fugitivo de Deus, desobediente,
contumaz, e, ainda depois de engolido e vomitado iracundo, impaciente, pouco
caritativo, pouco misericordioso, e mais zeloso e amigo da própria
estimação que da honra de Deus e salvação das
almas, desejoso de ver subvertida a Nínive e de a ver subverter com
seus olhos, havendo nela tantos mil inocentes; contudo este mesmo homem
com um sermão converteu o maior rei, a maior corte e o maior reinado
do Mundo, e não de homens fiéis senão de gentios idólatras.
Outra é logo a causa que buscamos. Qual será?
V
18. Será porventura
o estilo que hoje se usa nos púlpitos? Um estilo tão empeçado,
um estilo tão dificultoso, um estilo tão afetado, um estilo
tão encontrado a toda a arte e a toda a natureza? Boa razão
é também esta. O estilo há de ser muito fácil
e muito natural. Por isso Cristo comparou o pregar ao semear:
..........................Exiit, qui seminat,
seminare.
..........................[Saiu
o que semeia a semear]
Compara Cristo o pregar ao semear, porque
o semear é uma arte que tem mais de natureza que de arte. Nas outras
artes tudo é arte: na música tudo se faz por compasso, na
arquitetura tudo se faz por regra, na aritmética tudo se faz por
conta, na geometria tudo se faz por medida. O semear não é
assim. É uma arte sem arte caia onde cair. Vede como semeava o nosso
lavrador do Evangelho.
..........................- Aliud
cecidit inter spinas, et simul exortae spinae.
..........................Caía
o trigo nos espinhos e nascia.
..........................- Aliud
cecidit super petram, et ortum.
..........................Caía
o trigo nas pedras e nascia.
..........................- Aliud
cecidit in terram bonam, et natum.
..........................Caía o trigo
na terra boa e nascia
Ia o trigo caindo e ia nascendo.
19. Assim há de ser o
pregar. Hão de cair as coisas hão de nascer; tão naturais
que vão caindo; tão próprias que venham nascendo.
Que diferente é o estilo violento
e tirânico que hoje se usa! Ver vir os tristes passos da Escritura,
como quem vem ao martírio; uns vêm acarretados, outros vêm
arrastados, outros vêm estirados, outros vêm torcidos, outros
vêm despedaçados; só atados não vêm! Há
tal tirania? Então no meio disto, que bem levantado está aquilo!
Não está a coisa no levantar, está no cair:
..........................Cecidit
– [caiu]
Notai uma alegoria própria
da nossa língua. O trigo do semeador, ainda que caiu quatro vezes,
só de três nasceu.
Para o sermão vir nascendo,
há de ter três modos de cair: há de cair com queda,
há de cair com cadência, há de cair com caso. A queda
é para as coisas, a cadência para as palavras, o caso para
a disposição. A queda é para as coisas porque hão
de vir bem trazidas e em seu lugar; hão de ter queda. A cadência
é para as palavras, porque não hão de ser escabrosas
nem dissonantes; hão de ter cadência. O caso é para
a disposição, porque há de ser tão natural e
tão desafetada que pareça caso e não estudo:
..........................Cecidit, cecidit,
cecidit – [caiu, caiu, caiu]
20. Já
que falo contra os estilos modernos, quero alegar por mim o estilo do mais
antigo pregador que houve no Mundo. E qual foi ele? O mais antigo pregador
que houve no Mundo foi o céu.
..........................Caeli enarrant
gloriam et opera manuum
..........................ejus annuntiat Firmamentum.
.......................... [Os céus
proclamam a glória de Deus e o firmamento
..........................anuncia as obras
de suas mãos] diz David (Sl. 19,1).
Suposto que o céu
é pregador, deve de ter sermões e deve de ter palavras. Sim,
tem, diz o mesmo David; tem palavras e tem sermões; e mais, muito
bem ouvidos.
..........................Non sunt loquellae,
nec sermones,
..........................quorum non audiantur
voces eorum.(Sl. 14,3)
..........................[Não
é linguagem, nem são palavras
..........................dos quais não
se ouça a voz]
E quais são estes sermões e
estas palavras do céu? As palavras são as estrelas, os sermões
são a composição, a ordem, a harmonia e o curso delas.
Vede como diz o estilo de pregar do céu,
com o estilo que Cristo ensinou na terra. Um e outro é semear; a
terra semeada de trigo, o céu semeado de estrelas. O pregar há
de ser como quem semeia, e não como quem ladrilha ou azuleja.
..........................Ordenado, mas como
as estrelas:
..........................Stellae manentes
in ordine suo.
Todas as estrelas estão por sua
ordem. Mas é ordem que faz influência, não é
ordem que faça lavor. Não fez Deus o céu em xadrez
de estrelas, como os pregadores fazem o sermão em xadrez de palavras.
Se de uma parte há de estar branco, da outra há de estar negro;
se de uma parte dizem luz, da outra hão de dizer sombra; se de uma
parte dizem desceu, da outra hão de dizer subiu. Basta que não
havemos de ver num sermão duas palavras em paz? Todas hão
de estar sempre em fronteira com o seu contrário? Aprendamos do céu
o estilo da disposição, e também o das palavras. As
estrelas são muito distintas e muito claras. Assim há de ser
o estilo da pregação; muito distinto e muito claro. E nem
por isso temais que pareça o estilo baixo; as estrelas são
muito distintas e muito claras, e altíssimas.
O estilo pode ser muito claro e muito
alto; tão claro que o entendam os que não sabem e tão
alto que tenham muito que entender os que sabem.
O rústico acha documentos nas estrelas
para sua lavoura e o mareante para sua navegação e o matemático
para as suas observações e para os seus juízos. De
maneira que o rústico e o mareante, que não sabem ler nem
escrever entendem as estrelas; e o matemático, que tem lido quantos
escreveram, não alcança a entender quanto nelas há.
Tal pode ser o sermão: estrelas que
todos vêem, e muito poucos as medem.
21. Sim,
Padre; porém esse estilo de pregar não é pregar culto.
Mas fosse! Este desventurado estilo que hoje se usa, os que o querem honrar
chamam-lhe culto, os que o condenam chamam-lhe escuro, mas ainda lhe fazem
muita honra.
O estilo culto não é escuro,
é negro, e negro boçal e muito cerrado.
É possível que somos portugueses
e havemos de ouvir um pregador em português e não havemos de
entender o que diz?! Assim como há Lexicon para o grego e Calepino
para o latim, assim é necessário haver um vocabulário
do púlpito. Eu ao menos o tomara para os nomes próprios, porque
os cultos têm desbatizados os santos, e cada autor que alegam é
um enigma.
Assim o disse o Cetro Penitente, assim o
disse o Evangelista Apeles, assim o disse a Águia de África,
o Favo de Claraval, a Púrpura de Belém, a Boca de Ouro. Há
tal modo de alegar!
O Cetro Penitente dizem que é David,
como se todos os cetros não foram penitência; o Evangelista
Apeles, que é S. Lucas; o Favo de Claraval, S. Bernardo; a Águia
de África, Santo Agostinho; a Púrpura de Belém, S.
Jerónimo; a Boca de Ouro, S. Crisóstomo.
E quem quitaria ao outro cuidar
que a Púrpura de Belém é Herodes que a Águia
de África é Cipião, e que a Boca de Ouro é Midas?
Se houvesse um advogado que alegasse assim
a Bártolo e Baldo, havíeis de fiar dele o vosso pleito?
Se houvesse um homem que assim falasse na
conversação, não o havíeis de ter por néscio?
Pois o que na conversação seria necessidade, como há
de ser discrição no púlpito?
22. Boa me parecia também esta razão; mas como os cultos pelo pulido e estudado se defendem com o grande Nazianzeno, com Ambrósio, com Crisólogo, com Leão, e pelo escuro e duro com Clemente Alexandrino, com Tertuliano, com Basílio de Selêucia, com Zeno Veronense e outros, não podemos negar a reverência a tamanhos autores posto que desejáramos, nos que se prezam de beber destes rios, a sua profundidade. Qual será logo a causa de nossa queixa?
VI
23. Será
pela matéria ou matérias que tomam os pregadores? Usa-se hoje
o modo que chamam de apostilar o Evangelho, em que tomam muitas matérias,
levantam muitos assuntos e quem levanta muita caça e não segue
nenhuma, não é muito que se recolha com as mãos vazias.
Boa razão é também esta.
O sermão há de ter um só
assunto e uma só matéria. Por isso Cristo disse que o lavrador
do Evangelho não semeara muitos gêneros de sementes, senão
uma só:
..........................Exiit, qui seminat,
seminare semen
..........................[Saiu
o que semeia a semear a semente]
Semeou uma semente só, e não
muitas, porque o sermão há de ter uma só matéria,
e não muitas matérias. Se o lavrador semeara primeiro trigo,
e sobre o trigo semeara centeio, e sobre o centeio semeara milho grosso
e miúdo, e sobre o milho semeara cevada, que havia de nascer? Uma
mata brava, uma confusão verde. Eis aqui o que acontece aos sermões
deste gênero. Como semeiam tanta variedade, não podem colher
coisa certa. Quem semeia misturas, mal pode colher trigo.
Se uma nau fizesse um bordo para o norte,
outro para o sul, outro para leste, outro para oeste, como poderia fazer
viagem? Por isso nos púlpitos se trabalha tanto e se navega tão
pouco. Um assunto vai para um vento, outro assunto vai para outro vento;
que se há de colher senão vento?
O Batista convertia muitos em Judéia;
mas quantas matérias tomava? Uma só matéria:
..........................Parate viam Domini
(Mt. 3,3)
..........................[Preparai
o caminho do Senhor]
preparação para o Reino de Cristo.
Jonas converteu os Ninivitas;
mas quantos assuntos tomou? Um só assunto: a subversão da
cidade.
..........................Adhuc
quadraginta dies, et Ninive subvertetur
De maneira que Jonas em quarenta dias
pregou um só assunto; e nós queremos pregar quarenta assuntos
em uma hora? Por isso não pregamos nenhum.
O sermão há de ser de uma só
cor, há de ter um só objeto, um só assunto, uma só
matéria.
24. Há
de tomar o pregador uma só matéria; há de defini-la,
para que se conheça; há de dividi-la, para que se distinga;
há de prová-la com a Escritura; há de declará-la
com a razão; há de confirmá-la com o exemplo; há
de amplificá-la com as causas, com os efeitos, com as circunstâncias,
com as conveniências que se hão de seguir, com os inconvenientes
que se devem evitar; há de responder às dúvidas, há
de satisfazer às dificuldades; há de impugnar e refutar com
toda a força da eloqüência os argumentos contrários.
E depois disto há de colher,
há de apertar, há de concluir, há de persuadir, há
de acabar.
Isto é sermão,
isto é pregar; e o que não é isto, é falar de
mais alto.
Não nego nem quero dizer que
o sermão não haja de ter variedade de discursos, mas esses
hão de nascer todos da mesma matéria e continuar e acabar
nela.
Quereis ver tudo isto com os olhos?
Ora vede. Uma árvore tem raízes,
tem tronco, tem ramos, tem folhas, tem varas, tem flores, tem frutos.
Assim há de ser o sermão:
há de ter raízes fortes e sólidas, porque há
de ser fundado no Evangelho; há de ter um tronco, porque há
de ter um só assunto e tratar uma só matéria; deste
tronco hão de nascer diversos ramos, que são diversos discursos,
mas nascidos da mesma matéria e continuados nela; estes ramos hão
de ser secos, senão cobertos de folhas, porque os discursos hão
de ser vestidos e ornados de palavras.
Há de ter esta árvore varas,
que são a repreensão dos vícios; há de ter flores,
que são as sentenças; e por remate de tudo, há de ter
frutos, que é o fruto e o fim a que se há de ordenar o sermão.
De maneira que há de haver frutos,
há de haver flores, há de haver varas, há de haver
folhas, há de haver ramos; mas tudo nascido e fundado em um só
tronco, que é uma só matéria. Se tudo são troncos,
não é sermão, é madeira. Se tudo são
ramos, não é sermão, são maravilhas. Se tudo
são folhas, não é sermão, são versas.
Se tudo são varas,
não é sermão, é feixe. Se tudo são flores,
não é sermão, é ramalhete. Serem tudo frutos,
não pode ser; porque não há frutos sem árvore.
Assim que nesta árvore, à que podemos chamar árvore
da vida, há de haver o proveitoso do fruto, o formoso das flores,
o rigoroso das varas, o vestido das folhas, o estendido dos ramos; mas tudo
isto nascido e formado de um só tronco e esse não levantado
no ar, senão fundado nas raízes do Evangelho:
..........................Seminare semen
– [Semear as sementes]
Eis aqui como hão
de ser os sermões; eis aqui como não são. E assim não
é muito que se não faça fruto com eles.
25. Tudo o que tenho dito pudera demonstrar
largamente, não só com os preceitos dos Aristóteles,
dos Túlios, dos Quintilianos, mas com a prática observada
do príncipe dos oradores evangélicos, S. João Crisóstomo,
de S. Basílio Magno, S. Bernardo. S. Cipriano, e com as famosíssimas
orações de S. Gregório Nazianzeno, mestre de ambas
as Igrejas.
E posto que nestes mesmos Padres, como
em Santo Agostinho, S. Gregório e muitos outros, se acham os Evangelhos
apostilados com nomes de sermão e homilias, uma coisa é expor,
e outra pregar; uma ensinar e outra persuadir.
Desta última é que eu falo,
com a qual tanto fruto fizeram no mundo Santo António de Pádua
e S. Vicente Ferrer. Mas nem por isso entendo que seja ainda esta a verdadeira
causa que busco.
VII
26. Será
porventura a falta de ciência que há em muitos pregadores?
Muitos pregadores há que vivem
do que não colheram e semeiam o que não trabalharam.
Depois da sentença de Adão,
a terra não costuma dar fruto, senão a quem come o seu pão
com o suor do seu rosto. Boa razão parece também esta.
O pregador há de pregar o seu, e não
o alheio. Por isso diz Cristo que semeou o lavrador do Evangelho o trigo
seu:
..........................Semen suum
– [a sua semente]
Semeou o seu, e não o alheio,
porque o alheio e, o furtado não é bom para semear, ainda
que o furto seja de ciência.
Comeu Eva o pomo da ciência, e queixava-me
eu antigamente desta nossa mãe; já que comeu o pomo, por que
lhe não guardou as pevides? Não seria bem que chegas e a nós
a árvore, já que nos chegaram os encargos dela? Pois por que
não o fez assim Eva?
Porque o pomo era furtado, e o alheio é
bom para comer, mas não é bom para semear: é bom para
comer, porque dizem que é saboroso; não é bom para
semear, porque não nasce.
Alguém terá experimentado
que o alheio lhe nasce em casa, mas esteja certo, que se nasce, não
há de deitar raízes, e o que não tem raízes
não pode dar fruto. Eis aqui
por que muitos pregadores não fazem fruto; porque pregam o alheio,
e não o seu:
..........................Semen suum
– [a sua semente]
O pregar é entrar em batalha
com os vícios; e armas alheias, ainda que sejam as de Aquiles, a
ninguém deram vitória.
Quando David saiu a campo com o gigante,
ofereceu-lhe Saul as suas armas, mas ele não as quis aceitar.
Com armas alheias ninguém pode vencer,
ainda que seja David. As armas de Saul só servem a Saul, e as de
David a David; e mais aproveita um cajado e uma funda própria, que
a espada e a lança alheia.
Pregador que peleja com as armas alheias,
não hajais medo que derrube gigante.
27. Fez Cristo aos
Apóstolos pescadores de homens (Mt. 4,21) que foi ordená-los
de pregadores; e que faziam os Apóstolos? Diz o texto que estavam:
..........................Reficientes retia
sua
..........................Estavam consertando
as suas redes
Eram as redes dos Apóstolos, e não eram alheias. Notai:
..........................Retia sua
– [as suas redes]
Não diz que eram suas porque
as compraram, senão que eram suas porque as faziam; não eram
suas porque lhes custaram o seu dinheiro, senão porque lhes custavam
o seu trabalho. Desta maneira eram as redes suas; e porque desta maneira
eram suas, por isso eram redes de pescadores que haviam de pescar homens.
Com redes alheias, ou feitas por mão
alheia, podem-se pescar peixes, homens não se podem pescar. A razão
disto é porque nesta pesca de entendimentos só quem sabe fazer
a rede sabe fazer o lanço.
Como se faz uma rede? Do fio
e do nó se compõe a malha; quem não enfia nem ata,
como há de fazer rede? E quem não sabe enfiar nem sabe atar,
como há de pescar homens?
A rede tem chumbada que vai ao fundo,
e tem cortiça que nada em cima da água.
A pregação tem umas coisas
de mais peso e de mais fundo, e tem outras mais superficiais e mais leves;
e governar o leve e o pesado, só o sabe fazer quem faz a rede.
Na boca de quem não faz a pregação,
até o chumbo é cortiça.
As razões não hão de
ser enxertadas, hão de ser nascidas. O pregar não é
recitar.
As razões próprias nascem do entendimento,
as alheias vão pegadas à memória, e os homens não
se convencem pela memória, senão pelo entendimento.
28. Veio o Espírito
Santo sobre os Apóstolos, e quando as línguas desciam do céu,
cuidava eu que se lhes haviam de pôr na boca; mas elas foram-se pôr
na cabeça. Pois por que na cabeça e não na boca, que
é o lugar da língua? Porque o que há de dizer o pregador,
não lhe há de sair só da boca; há-lhe de sair
pela boca, mas da cabeça.
O que sai só da boca pára nos
ouvidos; o que nasce do juízo penetra e convence o entendimento.
Ainda tem mais mistério estas
línguas do Espírito Santo. Diz o texto que não se puseram
todas as línguas sobre todos os Apóstolos, senão cada
uma sobre cada um:
..........................Apparuerunt dispertitae
linguae tanquam ignis,
..........................seditque supra
singulos eorum. (At. 2,3)
..........................[Apareceram,
repartidas entre eles, umas como línguas de
.......................... fogo e
pousou uma sobre cada um deles]
E por que cada uma sobre cada
um, e não todas sobre todos? Porque não servem todas as línguas
a todos, senão a cada um a sua. Uma língua só sobre
Pedro, porque a língua de Pedro não serve a André;
outra língua só sobre André, porque a língua
de André não serve a Filipe; outra língua só
sobre Filipe, porque a língua de Filipe não serve a Bartolomeu,
e assim dos mais.
E senão vede-o no estilo de cada um
dos Apóstolos, sobre que desceu o Espírito Santo. Só
de cinco temos escrituras; mas a diferença com que escreveram, como
sabem os doutos, é admirável.
As penas todas eram tiradas das asas daquela
pomba divina; mas o estilo tão diverso, tão particular e tão
próprio de cada um, que bem mostra que era seu. Mateus fácil,
João misterioso, Pedro grave, Jacob forte, Tadeu sublime, e todos
com tal valentia no dizer, que cada palavra era um trovão, cada cláusula
um raio e cada razão um triunfo.
Ajuntai a estes cinco S. Lucas e S. Marcos,
que também ali estavam, e achareis o número daqueles sete
trovões que ouviu S. João no Apocalipse:
..........................Locuta sunt septem
tonitrua voces suas.(Ap. 10,3)
..........................[Sete
trovões fizeram ouvir as suas vozes]
Eram trovões que falavam
e desarticulavam as vozes, mas essas vozes eram suas:
..........................Voces suas
– [suas vozes]
suas, e não alheias, como notou Ansberto:
..........................Non alienas,
sed suas – [não alheias mas suas]
Enfim, pregar o alheio é pregar o alheio, e com o alheio nunca se
fez coisa boa.
29. Contudo eu não
me firmo de todo nesta razão, porque do grande Batista sabemos que
pregou o que tinha pregado Isaías, como notou S. Lucas, e não
com outro nome, senão de sermões:
..........................Praedicans baptismum
poenitentiae
in
remissionem peccatorum,sicut scriptum est
in
libro sermonun Isaiae prophetae.(Lc.3,3 e 4).
[Pregando o batismo da penitência
para
remissão dos pecados,como está escrito
no
livro das palavras do profeta Isaías]
Deixo o que tomou Santo Ambrósio de
S. Basílio; S. Próspero e Beda de Santo Agostinho; Teofilato
e Eutímio de S. João Crisóstomo.
VIII
30. Será
finalmente a causa, que tanto há buscamos, a voz com que hoje falam
os pregadores?
Antigamente pregavam bradando, hoje
pregam conversando. Antigamente a primeira parte do pregador era boa voz
e bom peito. E verdadeiramente, como o mundo se governa tanto pelos sentidos,
podem às vezes mais os brados que a razão. Boa era também
esta, mas não a podemos provar com o semeador, porque já dissemos
que não era ofício de boca.
Porém o que nos negou o Evangelho no semeador
metafórico, nos deu no semeador verdadeiro, que é Cristo.
Tanto que Cristo acabou a parábola, diz o Evangelho que começou
o Senhor a bradar:
.......................... Haec dicens
clamabat
..........................[Ditas
estas coisas, bradou] (Lc. 8,8)
Bradou o Senhor, e não arrazoou
sobre a parábola, porque era tal o auditório, que fiou mais
dos brados que da razão.
31. Perguntaram
ao Batista quem era? Respondeu ele:
..........................Ego vox clamantis
in deserto
..........................Eu sou
uma voz que anda bradando neste deserto.
Desta maneira se definiu o Batista.
A definição do pregador, cuidava eu que era: voz que arrazoa
e não voz que brada. Pois por que se definiu o Batista pelo bradar
e não pelo arrazoar; não pela razão, senão pelos
brados?
Porque há muita gente neste mundo
com quem podem mais os brados que a razão, e tais eram aqueles a
quem o Batista pregava.
Vede-o claramente em Cristo. Depois que Pilatos
examinou as acusações que contra ele se davam, lavou as mãos
e disse:
.......................... Ego nullam
causam invenio in homine isto
..........................[Eu
não acho nenhuma causa neste homem para condená-lo]
Neste tempo todo o povo e os escribas bradavam de fora, que fosse crucificado:
..........................At illi magis
clamabant, crucifigatur (Mt. 27,23)
..........................[Mas
eles cada vez clamavam mais: crucifica-o]
De maneira que Cristo tinha
por si a razão e tinha contra si os brados. E qual pôde mais?
Puderam mais os brados que a razão.
A razão não
valeu para o livrar, os brados bastaram para o pôr na Cruz.
E como os brados no Mundo
podem tanto, bem é que bradem alguma vez os pregadores, bem é
que gritem. Por isso Isaías chamou aos pregadores nuvens:
..........................Qui sunt isti,
qui ut nubes volant? (Is. 60,8)
..........................[Quem
são estes que vêm voando como nuvens?]
A nuvem tem relâmpago, tem trovão
e tem raio: relâmpago para os olhos, trovão para os ouvidos,
raio para o coração; com o relâmpago alumia, com o trovão
assombra, com o raio mata. Mas o raio fere a um, o relâmpago a muitos,
o trovão a todos.
Assim há de ser a voz do pregador,
um trovão do Céu, que assombre e faça tremer o Mundo.
32. Mas que diremos
à oração de Moisés?
..........................Concrescat ut
pluvia doctrina mea:
..........................fluat ut ros eloquim
meum (Dt. 32,2)
..........................[Gotege
como chuva a minha doutrina:
..........................espalhe-se como orvalho
a minha palavra]
Desça minha doutrina como chuva do
céu, e a minha voz e as minhas palavras como orvalho que se destila
brandamente e sem ruído.
Que diremos ao exemplo ordinário de
Cristo, tão celebrado por Isaías:
Non
clamabit neque audietur vox ejus foris?
..........................[Não
clamará nem a sua voz será ouvida
..........................do lado de fora]
(Is. 42,2)
Não clamará, não
bradará, mas falará com uma voz tão moderada que se
não possa ouvir fora.
E não há dúvida
que o praticar familiarmente, e o falar mais ao ouvido que aos ouvidos,
não só concilia maior atenção, mas naturalmente
e sem força se insinua, entra, penetra e se mete na alma.
33. Em conclusão
que a causa de não fazerem hoje fruto os pregadores com a palavra
de Deus, nem é a circunstância da pessoa:
.......................... nem
é a circunstância da pessoa - Qui seminat
..........................nem a do
estilo - Seminare
..........................nem a da
matéria - Semen
..........................nem a da
ciência - Suum
..........................nem a da
voz - Clamabat.
Moisés tinha fraca voz
(Ex. 4,10);
Amós tinha grosseiro estilo
(Am. 1,1);
Salomão multiplicava e
variava os assuntos (Ec.1);
Balaão não tinha
exemplo de vida (Nm. 22);
o seu animal não tinha ciência;
e contudo todos estes, falando, persuadiam
e convenciam.
Pois se nenhuma destas razões
que discorremos, nem todas elas juntas são a causa principal nem
bastante do pouco fruto que hoje faz a palavra de Deus, qual diremos finalmente
que é a verdadeira causa?
IX
34. As palavras que
tomei por tema o dizem.
..........................Semen est verbum
Dei.
..........................[A semente
é a palavra de Deus]
Sabeis, Cristãos, a causa
por que se faz hoje tão pouco fruto com tantas pregações?
É porque as palavras dos pregadores são palavras, mas não
são palavras de Deus. Falo do que ordinariamente se ouve. A palavra
de Deus (como diria) é tão poderosa e tão eficaz, que
não só na boa terra faz fruto, mas até nas pedras e
nos espinhos nasce. Mas se as palavras dos pregadores não são
palavras de Deus, que muito que não tenham a eficácia e os
efeitos da palavra de Deus?
..........................Ventum seminabant,
et turbinem colligent,
..........................Quem semeia ventos,
colhe tempestades
diz o Espírito Santo. Se os pregadores semeiam vento, se o que se
prega é vaidade, se não se prega a palavra de Deus, como não
há a Igreja de Deus de correr tormenta, em vez de colher fruto?
35. Mas dir-me-eis:
Padre, os pregadores de hoje não pregam do Evangelho, não
pregam das Sagradas Escrituras? Pois como não pregam a palavra de
Deus? Esse é o mal. Pregam palavras de Deus, mas não pregam
a palavra de Deus:
..........................Qui
habet sermonem meum,
..........................loquatur sermonem
meum vere (Jr. 23,28)
..........................[Aquele
que tem a minha palavra
..........................fale a minha palavra
com verdade]
Assim disse Deus por Jeremias.
As palavras de Deus, pregadas no sentido
em que Deus as disse, são palavras de Deus; mas pregadas no sentido
que nós queremos, não são palavras de Deus, antes podem
ser palavras do Demônio. Tentou o Demônio a Cristo a que fizesse
das pedras pão. Respondeu-lhe o Senhor:
..........................Non
in solo pane vivit homo,
.......................... sed in omni
verbo, quod procedit de ore Dei.(Mt. 4,4)
..........................[Nem
só de pão vive o homem,
..........................mas de toda palavra
que procede da boca de Deus]
Esta sentença era tirada do capítulo
oito do Deuteronômio.
Vendo o Demônio que o Senhor se defendia
da tentação com a Escritura, leva-o ao Templo, e alegando
o lugar do salmo 90, diz-lhe desta maneira:
Mitte
te deorsum; scriptum est enim,
quia
Angelis suis Deus mandavit de te,
ut
custodiant te in omnibus viis tuis (Mt. 4,6)
..........................Lança-te
daí abaixo, porque prometido está
..........................nas Sagradas Escrituras
que os anjos te tomarão nos braços,
.......................... para te protegerem
em todas as tuas decisões.
De sorte que Cristo defendeu-se do Diabo
com a Escritura, e o Diabo tentou a Cristo com a Escritura.
Todas as Escrituras são palavra
de Deus: pois se Cristo toma a Escritura para se defender do Diabo, como
toma o Diabo a Escritura para tentar a Cristo? A razão é porque
Cristo tomava as palavras da Escritura em seu verdadeiro sentido, e o Diabo
tomava as palavras da Escritura em sentido alheio e torcido; e as mesmas
palavras, que tomadas em verdadeiro sentido são palavras de Deus,
tomadas em sentido alheio, são armas do Diabo.
As mesmas palavras que, tomadas no sentido
em que Deus as disse, são defesa, tomadas no sentido em que Deus
as não disse, são tentação.
Eis aqui a tentação com
que então quis o Diabo derrubar a Cristo, e com que hoje lhe faz
a mesma guerra do pináculo do templo.
O pináculo do templo é o púlpito,
porque é o lugar mais alto dele. O Diabo tentou a Cristo no deserto,
tentou-o no monte, tentou-o no templo: no deserto, tentou-o com a gula;
no monte, tentou-o com a ambição; no templo, tentou-o com
as Escrituras mal interpretadas, e essa é a tentação
de que mais padece hoje a Igreja, e que em muitas partes tem derrubado dela,
senão a Cristo, a sua fé.
36. Dizei-me,
pregadores (aqueles com quem eu falo indignos verdadeiramente de tão
sagrado nome), dizei-me: esses assuntos inúteis que tantas vezes
levantais, essas empresas ao vosso parecer agudas que prosseguis, achaste-las
alguma vez nos Profetas do Testamento Velho, ou nos Apóstolos e Evangelistas
do Testamento Novo, ou no autor de ambos os Testamentos, Cristo?
É certo que não,
porque desde a primeira palavra do Gênesis até à última
do Apocalipse, não há tal coisa em todas as Escrituras. Pois
se nas Escrituras não há o que dizeis e o que pregais, como
cuidais que pregais a palavra de Deus?
Mais: nesses lugares, nesses textos
que alegais para prova do que dizeis, é esse o sentido em que Deus
os disse? É esse o sentido em que os entendem os padres da Igreja?
É esse o sentido da mesma gramática das palavras? Não,
por certo; porque muitas vezes as tomais pelo que toam e não pelo
que significam, e talvez nem pelo que toam.
Pois se não é esse
o sentido das palavras de Deus, segue-se que não são palavras
de Deus. E se não são palavras de Deus, que nos queixamos
que não façam fruto as pregações? Basta que
havemos de trazer as palavras de Deus a que digam o que nós queremos,
e não havemos de querer dizer o que elas dizem?!
E então ver cabecear o auditório
a estas coisas, quando devíamos de dar com a cabeça pelas
paredes de as ouvir! Verdadeiramente não sei de que mais me espante,
se dos nossos conceitos, se dos vossos aplausos? Oh, que bem levantou o
pregador! Assim é; mas que levantou? Um falso testemunho ao texto,
outro falso testemunho ao santo, outro ao entendimento e ao sentido de ambos.
Então que se converta o mundo com falsos testemunhos da palavra de
Deus?
Se a alguém parecer demasiada
a censura, ouça-me.
37. Estava Cristo acusado
diante de Caifás, e diz o Evangelista S. Mateus que por fim vieram
duas testemunhas falsas:
..........................Novissime venerunt
duo falsi testes. (Mt. 26,60)
..........................[Por
último vieram duas testemunhas falsas]
Estas testemunhas referiram
que ouviram dizer a Cristo que, se os Judeus destruíssem o templo,
ele o tornaria a reedificar em três dias. Se lermos o Evangelista
S. João, acharemos que Cristo verdadeiramente tinha dito as palavras
referidas. Pois se Cristo tinha dito que havia de reedificar o templo dentro
em três dias, e isto mesmo é o que referiram as testemunhas,
como lhes chama o Evangelista testemunhas falsas:
..........................Duo falsi testes?
[Duas testemunhas falsas]
O mesmo S. João deu a razão:
..........................Loquebatur de
templo corporis sui.
..........................[Falava
do templo de seu corpo]
Quando Cristo disse que em três dias reedificaria
o templo, – falava o Senhor do templo místico de seu corpo,
– o qual os Judeus destruíram pela morte e o Senhor o reedificou
pela ressurreição; e como Cristo falava do templo místico
e as testemunhas o referiram ao templo material de Jerusalém, ainda
que as palavras eram verdadeiras, as testemunhas eram falsas.
Eram falsas, porque Cristo as dissera em um sentido,
e eles as referiram em outro; e referir as palavras de Deus em diferente
sentido do que foram ditas, é levantar falso testemunho a Deus, é
levantar falso testemunho às Escrituras.
Ah! Senhor, quantos falsos testemunhos vos levantam!
Quantas vezes ouço dizer que dizeis o que nunca dissestes! Quantas
vezes ouço dizer que são palavras vossas, o que são
imaginações minhas, que me não quero excluir deste
número! Que muito logo que as nossas imaginações, e
as nossas vaidades, e as nossas fábulas não tenham a eficácia
de palavra de Deus!
38. Miseráveis
de nós, e miseráveis dos nossos tempos! Pois neles se veio
a cumprir a profecia de S. Paulo:
..........................Erit tempus,
cum sanam doctrinam non sustinebunt (2 Tim. 4,3)
Virá tempo, diz S. Paulo
..........................em que os homens
não suportarão a doutrina sã.
..........................Sed ad sua desideria
coacervabunt sibi magistros prurientes auribus
Mas para seu apetite terão grande número de pregadores
feitos a montão e sem escolha, os quais não façam mais
que adular-lhes as orelhas.
..........................A veritate quidem
auditum avertent, ad fabulas autem convertentur:
..........................Fecharão
os ouvidos à verdade, e abri-los-ão às fábulas.
Fábula tem duas significações:
quer dizer fingimento e quer dizer comédia; e tudo são muitas
pregações deste tempo. São fingimento, porque são
sutilezas e pensamentos aéreos, sem fundamento de verdade; são
comédia, porque os ouvintes vêm à pregação
como à comédia; e há pregadores que vêm ao púlpito
como comediantes.
Uma das felicidades que se contava entre
as do tempo presente era acabarem-se as comédias em Portugal; mas
não foi assim. Não se acabaram, mudaram-se; passaram-se do
teatro ao púlpito.
Não cuideis que encareço
em chamar comédias a muitas pregações das que hoje
se usam. Tomara ter aqui as comédias de Plauto, de Terêncio,
de Séneca, e veríeis se não acháveis nelas muitos
desenganos da vida e vaidade do Mundo, muitos pontos de doutrina moral,
muito mais verdadeiros, e muito mais sólidos, do que hoje se ouvem
nos púlpitos.
Grande miséria por certo, que
se achem maiores documentos para a vida nos versos de um poeta profano,
e gentio, que nas pregações de um orador cristão, e
muitas vezes, sobre cristão, religioso!
39. Pouco
disse S. Paulo em lhe chamar comédia, porque muitos sermões
há que não são comédia, são farsa.
Sobe talvez ao púlpito um pregador
dos que professam ser mortos ao mundo, vestido ou amortalhado em um hábito
de penitência (que todos, mais ou menos ásperos, são
de penitência; e todos, desde o dia que os professamos, mortalhas);
a vista é de horror, o nome de reverência, a matéria
de compunção, a dignidade de oráculo, o lugar e a expectação
de silêncio; e quando este se rompeu, que é o que se ouve?
Se neste auditório estivesse
um estrangeiro que nos não conhecesse e visse entrar este homem a
falar em público naqueles trajos e em tal lugar, cuidaria que havia
de ouvir uma trombeta do Céu; que cada palavra sua havia de ser um
raio para os corações, que havia de pregar com o zelo e com
o fervor de um Elias, que com a voz, com o gesto e com as ações
havia de fazer em pó e em cinza os vícios. Isto havia de cuidar
o estrangeiro.
E nós que é o que vemos?
Vemos sair da boca daquele homem, assim naqueles trajos, uma voz muito afetada
e muito polida, e logo começar com muito desgarro, a quê? A
motivar desvelos, a acreditar empenhos, a requintar finezas, a lisonjear
precipícios, a brilhar auroras, a derreter cristais, a desmaiar jasmins,
a toucar primaveras, e outras mil indignidades destas. Não é
isto farsa a mais digna de riso, se não fora tanto para chorar?
Na comédia o rei veste como
rei, e fala como rei; o lacaio, veste como lacaio, e fala como lacaio; o
rústico veste como rústico, e fala como rústico; mas
um pregador, vestir como religioso e falar como... não o quero dizer,
por reverência do lugar.
Já que o púlpito
é teatro, e o sermão comédia se quer, não faremos
bem a figura? Não dirão as palavras com o vestido e com o
ofício? Assim pregava S. Paulo, assim pregavam aqueles patriarcas
que se vestiram e nos vestiram destes hábitos? Não louvamos
e não admiramos o seu pregar? Não nos prezamos de seus filhos?
Pois por que não os imitamos? Por que não pregamos como eles
pregavam? Neste mesmo púlpito pregou S. Francisco Xavier, neste mesmo
púlpito pregou S. Francisco de Borja; e eu, que tenho o mesmo hábito,
por que não pregarei a sua doutrina, já que me falta o seu
espírito?
X
40. Dir-me-eis
o que a mim me dizem, e o que já tenho experimentado, que, se pregamos
assim, zombam de nós os ouvintes, e não gostam de ouvir. Oh,
boa razão para um servo de Jesus Cristo! Zombem e não gostem
embora, e façamos nós nosso ofício! A doutrina de que
eles zombam, a doutrina que eles desestimam, essa é a que lhes devemos
pregar, e por isso mesmo, porque é mais proveitosa e a que mais hão
mister.
O trigo que caiu no caminho comeram-no
as aves. Estas aves, como explicou o mesmo Cristo, são os demônios,
que tiram a palavra de Deus dos corações dos homens:
..........................Venit
Diabolus, et tollit verbum de corde ipsorum!
..........................[Veio
o demônio e tirou a palavra de Deus
.......................... do coração
dos homens]
Pois por que
não comeu o Diabo o trigo que caiu entre os espinhos, ou o trigo
que caiu nas pedras, senão o trigo que caiu no caminho? Porque o
trigo que caiu no caminho:
..........................Conculcatum est
ab hominibus
..........................[Pisaram-no
os homens]
E a doutrina que os homens pisam, a
doutrina que os homens desprezam, essa é a de que o Diabo se teme.
Desses outros conceitos, desses outros pensamentos, desses outras sutilezas
que os homens estimam e prezam, dessas não se teme nem se acautela
o Diabo, porque sabe que não são essas as pregações
que lhe hão de tirar as almas das unhas. Mas daquela doutrina que
cai:
..........................Secus
viam – [à beira do caminho] (Mt. 13,4)
daquela doutrina que parece comum: Secus viam;
daquela doutrina que parece trivial: Secus viam;
daquela doutrina que parece trilhada: Secus viam;
daquela doutrina que nos põe em caminho e em via da nossa salvação
(que é a que os homens pisam e a que os homens desprezam), essa é
a de que o Demônio se receia e se acautela, essa é a que procura
comer e tirar do Mundo; e por isso mesmo essa é a que deviam pregar
os pregadores, e a que deviam buscar os ouvintes.
Mas se eles não
o fizerem assim e zombarem de nós, zombemos nós tanto de suas
zombarias como dos seus aplausos.
..........................Per infamiam
et bonam famam (2 Co. 6,8)
..........................[Com
infâmia ou com boa fama]
diz S. Paulo: O pregador há de saber pregar com fama e sem fama.
Mais diz o Apóstolo: Há de pregar com fama e com infâmia.
Pregar o pregador para ser afamado,
isso é mundo: mas infamado, e pregar o que convém, ainda que
seja com descrédito de sua fama?, isso é ser pregador de Jesus
Cristo.
41. Pois
o gostarem ou não gostarem os ouvintes! Oh, que advertência
tão digna! Que médico há que repare no gosto do enfermo,
quando trata de lhe dar saúde? Sarem e não gostem; salvem-se
e amargue-lhes, que para isso somos médicos das almas.
Quais vos parece que são
as pedras sobre que caiu parte do trigo do Evangelho? Explicando Cristo
a parábola, diz que as pedras são aqueles que ouvem a pregação
com gosto:
.......................... Hi sunt,
qui cum gaudio suscipiunt verbum.(Lc. 8,13)
..........................[Estes
são os que recebem com alegria a palavra]
Pois será bem que
os ouvintes gostem e que no cabo fiquem pedras?! Não gostem e abrandem-se;
não gostem e quebrem-se; não gostem e frutifiquem.
Este é o modo com
que frutificou o trigo que caiu na boa terra:
..........................Et fructum afferunt
in patientia, (Lc. 8,15)
..........................[E produziram
o fruto da perseverança]
conclui Cristo. De maneira que o frutificar não se ajunta com o gostar,
senão com o padecer; frutifiquemos nós, e tenham eles paciência.
A pregação que frutifica,
a pregação que aproveita, não é aquela que dá
gosto ao ouvinte, é aquela que lhe dá pena.
Quando o ouvinte a cada palavra do
pregador treme; quando cada palavra do pregador é um torcedor para
o coração do ouvinte; quando o ouvinte vai do sermão
para casa confuso e atônito, sem saber parte de si, então é
a preparação qual convém, então se pode esperar
que faça fruto:
..........................Et fructum
afferunt in patientia.
..........................[E produziram
o fruto da perseverança]
42. Enfim, para que
os pregadores saibam como hão de pregar e os ouvintes a quem hão
de ouvir, acabo com um exemplo do nosso Reino, e quase dos nossos tempos.
Pregavam em Coimbra dois famosos pregadores, ambos bem conhecidos por seus
escritos; não os nomeio, porque os hei de desigualar. Altercou-se
entre alguns doutores da Universidade qual dos dois fosse maior pregador;
e como não há juízo sem inclinação, uns
diziam este, outros, aquele. Mas um lente, que entre os mais tinha maior
autoridade, concluiu desta maneira: Entre dois sujeitos tão grandes
não me atrevo a interpor juízo; só direi uma diferença,
que sempre experimento: quando ouço um, saio do sermão muito
contente do pregador; quando ouço outro, saio muito descontente de
mim.
Com isto tenho acabado. Algum dia vos
enganastes tanto comigo, que saíeis do sermão muito contentes
do pregador; agora quisera eu desenganar-vos tanto, que saíreis muito
descontentes de vós.
Semeadores do Evangelho,
eis aqui o que devemos pretender nos nossos sermões: não que
os homens saiam contentes de nós, senão que saiam muito descontentes
de si; não que lhes pareçam bem os nossos conceitos, mas que
lhes pareçam mal os seus costumes, as suas vidas, os seus passatempos,
as suas ambições e, enfim, todos os seus pecados. Contanto
que se descontentem de si, descontentem-se embora de nós.
..........................Si hominibus
placerem,Christus servus non essem (Gl. 1,10)
..........................[Se
agradasse aos homens, não seria servo de Cristo]
dizia o maior de todos os pregadores, S. Paulo.
Se eu contentara aos homens, não
seria servo de Deus.
– Oh, contentemos a Deus,
e acabemos de não fazer caso dos homens!
Advirtamos que nesta mesma Igreja
há tribunas mais altas que as que vemos:
..........................Spectaculum facti
sumus Deo, Angelis et hominibus
..........................[Fomos
colocados como espetáculo diante de Deus,
..........................dos anjos e dos homens]
(I Co. 4,9)
Acima das tribunas dos reis, estão
as tribunas dos anjos, está a tribuna e o tribunal de Deus, que nos
ouve e nos há de julgar. Que conta há de dar a Deus um pregador
no Dia do Juízo? O ouvinte dirá: Não mo disseram. Mas
o pregador?
..........................Vae
mihi, quia tacui (Is. 6,5)
..........................[Ai
de mim porque me calei]
Ai de mim, que não disse o que
convinha!
– Não seja mais assim, por
amor de Deus e de nós.
Estamos às portas da Quaresma,
que é o tempo em que principalmente se semeia a palavra de Deus na
Igreja, e em que ela se arma contra os vícios.
Preguemos e armemo-nos todos contra
os pecados, contra as soberbas, contra os ódios, contra as ambições,
contra as invejas, contra as cobiças, contra as sensualidades.
Veja o céu que ainda tem na terra
quem se põe da sua parte. Saiba o inferno que ainda há na
terra quem lhe faça guerra com a palavra de Deus, e saiba a mesma
terra que ainda está em estado de reverdecer e dar muito fruto:
..........................Et fecit fructum
centuplum.
..........................[E produziu
frutos, cem por um]